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Análise: Monster Hunter World

São poucos, para não dizer raros, os jogos que apresentam verdadeiros ecossistemas, onde fauna e flora se projetam de forma tão avassaladora. O mundo foi habitado por dinossauros, o chamado período Jurássico, onde criaturas mais ou menos gigantescas lutavam pela sobrevivência, batalhando ferozmente e comendo criaturas mais pequenas, incapazes de resistir às pesadas e enormes mandíbulas dos T-rex. Era a lei do mais forte que imperava, antes de um cataclismo mudar por completo as regras. Depois surgiram os humanos, engenhosos e inteligentes. Perceberam que podiam atrair mamutes para armadilhas, derrubando criaturas gigantescas com paus e pedras. Separando a carne do osso, os humanos aproveitaram os ossos e encontraram neles uma ferramenta preciosa bem como peles para o frio. Mais resistentes, eram capazes de caçar criaturas mais fortes e prosperar. Os humanos triunfaram.



Mas e se alguma vez esta espécie se tivesse cruzado com os dinossauros, tendo que enfrentar répteis e criaturas gigantescas da pior espécie? Teriam logrado o mesmo sucesso? Provavelmente, mas neste quadro as batalhas seriam ainda mais cruéis e devastadoras. Os humanos venceriam pela sua superioridade em número, pela facilidade com que se multiplicam e pela inteligência aplicada na criação de ferramentas e utilização de armas cada vez melhores e adaptadas ao tipo de criatura que teriam de enfrentar.

O que ninguém duvida é que o processo de captura e confronto seria algo épico e incrível, algo digno dos mais notáveis documentários. Monster Hunter é por isso uma raridade e um dos poucos jogos que melhor descrevem esse quadro jurássico, encontrando igualmente influências na identidade dos japoneses, enquanto povo voltado para o mar e para a captura de espécies marinhas. Há uma ampla conexão nesta caçada, quer às criaturas que começaram por ocupar o planeta, quer na identidade de um povo. Mas o jogo da Capcom não pretende apenas configurar-se como um fantástico simulador de batalhas e sobrevivência, é também minucioso e mesmo enciclopédico na abordagem ao mundo que projeta com elevado realismo, um esforço rigoroso em acrescentar consistência e validade, assim como desafio e divertimento para os mais audazes e persistentes.

Em World, o episódio que conduz Monster Hunter ao topo, é visível o processo da cadeia alimentar. Há criaturas gigantescas que procuram alimento e são quase sempre os monstros herbívoros os primeiros a ser engolidos. Mas os humanos intrometem-se neste ecossistema que parece tão equilibrado quanto plausível, caçando para obter alimento, enquanto tentam alcançar a supremacia.

O bestiário de Monster Hunter World é impressionante, desde o primeiro instante. Se as primeiras criaturas nos parecem arrebatadoras, passem as três primeiras grandes áreas para ficarem completamente surpreendidos e rendidos à dimensão das seguintes. A imaginação no "staff" da Capcom encontrou novo fôlego. Aos habituais dragões lançadores de fogo, juntam-se espécies marinhas e criaturas gigantescas do tamanho de montanhas. Tão gigantes e dotadas de armaduras que só depois de um minucioso processo de encontro da fragilidade é que podem reverter o processo de superioridade que lhes dá garantias de vitória num combate que teima em se afigura como desigual, à partida. É diante desta aparente impotência para lidar com estas criaturas cheias de vida e furiosas por interrompermos a sua atividade regular, que entramos no âmago de MH World.



World é sobretudo um périplo por um mundo novo, uma jornada em constante sobressalto, uma luta violenta, cruel e impiedosa contra criaturas cuja consistência é tão verosímil como fantástica. A sua descrição é tão detalhada e rica que facilmente as imaginamos como seres de uma proveniência divina, impondo ordem e equilíbrio num grandioso ecossistema. Mas a campainha toca e logo despertamos para a estrutura do jogo, para a missão e a necessidade de encontrar o ponto fraco da besta, dando uso ao potente arsenal que transportamos às costas.

Derrubada a criatura é chegado o momento de recolher o espólio e transportar para o saco os itens mais importantes, as peças que podemos utilizar no fabrico e melhoramento de novas armas, mais eficazes no combate e captura das criaturas que se sucedem. A direcção é só uma no avanço ao desconhecido, bem como a certeza de que tudo ficará mais difícil e as ferramentas que temos à disposição são algumas das garantias que nos restam.

Monster Hunter foi desde sempre um sucesso no Japão e por isso é normal a série crescer em sistemas que normalmente vendem bem. Em tempos mais recentes, a presença nas consolas da Nintendo foi tão óbvia como decisiva. Começou pela Wii e elevou-se na portabilidade da 3DS, onde conheceu novos episódios, com destaque para algumas versões melhoradas. Mas em World não restam dúvidas sobre a intenção da Capcom em conquistar o ocidente, levar a sua série ao mundo e dar a conhecer as suas singularidades. O sucesso das atuais plataformas domésticas (PS4 e Xbox One) parece dar garantias desse desejo de conquista, juntando ao grupo o PC como plataforma complementar.

No entanto, à mudança de sistemas os produtores introduziram inúmeras melhorias e alterações. Desde logo é um jogo muito mais aberto ao online, melhor integrado e capaz de acomodar facilmente quatro jogadores numa quest. Levá-los até outro lado do mundo, numa missão de 50 minutos na qual cada jogador terá que dar o melhor de si, em conjugação com os restantes elementos, é mais fácil. É esta vertente cooperativa, derivada do esforço de manter permanentemente o jogo e o jogador lidados aos servidores (há um máximo de 16 jogadores por lobbie) que torna World bem mais gratificante e interessante. Um mundo é tanto melhor quando pode ser explorado por mais do que uma pessoa. Claro que poderão sempre entrar numa batalha sem companhia, uma missão seguramente impossível para muitos mas desafiante para uns quantos. Porém, nada como um trabalho cooperativo para se perceber como toda a acção, mesmo com muitos elementos em cena, se mantém fluída e sem perda de qualidade.

A ferocidade das batalhas é assinalável. As criaturas ao princípio mostram-se assustadas quando começamos por fazer os primeiros golpes, reagindo violentamente, mas depressa se tornam imprevisíveis, alterando o seu estado, em típica reação selvagem, nalguns momentos mudando até o seu aspecto, introduzindo mais ataques. O resultado é quase sempre uma batalha que se arrasta por dezenas de minutos, tripartida e passível de deslocação (marquem com o R3 para não perderem o rasto). Há momentos em que uma criatura atordoada vai de encontro a outro monstro gigantesco e as duas acabam por se envolver, produzindo mais agitação e um constante sobressalto no território, espantando as criaturas mais pequenas, enquanto que nós e os nossos comparsas procuramos a melhor oportunidade para desferir mais umas estocadas.



É verdade que muito deste processo é uma herança dos jogos anteriores. Monster Hunter apresenta serve-se deste sistema há muito tempo (13 anos leva a série), mas a sua execução nunca foi tão boa e consistente como agora. Existem muitas criaturas novas e isso gera mais dificuldade no momento da combate, porque não sabemos ao certo quais as suas reacções nem conhecemos os seus pontos fracos. Cada luta pode ser uma actividade experimental. À medida que progredimos na história e vamos confrontando novas criaturas, as suas defesas e ataques venenosos criam imensas dificuldades, o que acaba por conferir, para lá da dificuldade, uma sensação de novidade, permanente descoberta.

World é abundante, rico em coisas que podemos recolher, em itens preciosos para o fabrico de poções e antídotos. A escala de criação de bens como poções e outras coisas é de tal modo avassaladora que se torna espantoso como os produtores foram capazes de conjugar tanta coisa em meia dúzia de menus, embora tenham que dar cumprimento a uma série de requisitos. Este trabalho tem lugar em zonas isoladas e vedadas, espaços onde se ergue quase uma cidade. Aquele é o ponto de partida para o mundo. Há missões mais directas ou escalonáveis, nas quais é fácil a identificação dos monstros, mas noutros momentos o processo pode envolver investigação, através da recolha de pegadas ou impressões. Uma vez estabelecida a pegada como sendo de um específico monstro é possível seguir o rasto e chegar até ele. Nas sequências da história cada encontro é precedido de uma pequena cena cinematográfica, bem demonstrativa das suas habilidades e do seu aspecto horrendo, uma tentativa para intimidar logo ali os novatos.

Mas, para eles, convém referir que a porta de entrada é bem mais ampla. Não me lembro de um outro jogo da série tão inclusivo como este, tão fácil de perceber e apreender, mesmo que logo ao começo tenhamos aquela sensação de diversidade tão ampla característica da série que nos leva a fazer muitas coisas sem sairmos do sítio. Podemos deixar as missões secundárias para um momento posterior e iniciar investigações e recolha de elementos para análise do ecossistema mais adiante. É importante conhecer os efeitos das plantas na criação das poções que restituem facilmente a saúde e servem de antídoto aos ataques venenosos. Protecções, armaduras e armas complementam um quadro de interacção essencial, no ferreiro. Mas com tempo, mesmo um jogador novato, é capaz de singrar facilmente em World, desde que mantenha a personagem devidamente equipada, isto é, com armas melhoradas e mais eficazes, e uma série de objectos vitais para a sobrevivência. A partir dessa base de funcionamento, conjugam-se os restantes elementos, alguns mais acessórios ou complementares.

A exploração do mundo, conjugada com o sucesso nos confrontos com os monstros, determina muito do nosso sucesso. A melhoria das armas, através de uma árvore de upgrades em torno de uma categoria específica de monstro deixa-nos mais fortes e optimistas. As armas podem ser compradas ou forjadas, a partir de despojos e precisos objetos deixados pelos monstros. Uma árvore com base nas diferentes criaturas, identifica as mais importantes e define a evolução da arma, até ao ponto máximo de ataque, raridade e elementos naturais. Mas para assegurarem esse desenvolvimento terão que obter objetos um pouco raros. Será conveniente por isso repetirem algumas batalhas, e lançarem-se numa exploração mais exaustiva, pois mais do que as plantas, recursos como minérios são cruciais.

No que toca aos combates, existe um quadro de opções em tempo real, desde atalhos para uma série de itens, disfarces para que o monstro não vos veja e redes de captura. As opções vão aumentando à medida que progridem. É realmente espantosa a interacção. As primeiras horas de jogo podem inculcar a ideia de alguma facilidade nos confrontos, mas é sol de curta duração. Não leva muito até terem de suar e encontrar as formas e armas certas para derrubar uma criatura. Nalgumas batalhas, se estiverem sós, poderão desmaiar mais de três vezes, deixando fugir uma das condições obrigatórias para concluir a missão com sucesso. Mesmo com o apoio de três colegas, a vitória nem sempre é um dado adquirido, pelo que terão de pensar e encontrar nos combos e no potencial dos vossos ataques uma estratégia de sucesso. Atrair o monstro para uma armadilha ou arrastá-lo para outra espécie, como forma de distracção, pode ajudar, mas de forma alguma em algum momento posterior às primeiras 10 horas fica a sensação de um abrandar da dificuldade.

A campanha poderá levar facilmente várias dezenas de horas a ser cumprida, embora vários factores possam contribuir para uma progressão mais rápida ou demorada. As "quests" opcionais, as expedições, a repetição de algumas batalhas, a realização de pedidos SOS lançados por outros jogadores, assim como a exploração das áreas visando o alcance de um item em particular, levarão mais tempo. Todavia é uma campanha bastante extensa e entusiasmante. É possível jogá-la sem qualquer base cooperativa em rede, mas o divertimento está em juntar amigos ou outros jogadores (lançando uma tocha SOS), quando no decurso da batalha nos apercebemos de um avolumar de dificuldades.

Em termos de defeitos ou falhas graves, não há nada de especial a apontar. World não é um MH muito diferente da estrutura das edições anteriores. A base, o conceito e muitas das regras permanecem. O sistema de mira sobre os inimigos poderia estar melhor conjugado com a câmara, que por vezes sai do monstro e nos deixa sem perceber muito bem em que ponto estamos. No entanto, há que referir a extrema sobriedade e força do motor gráfico, mesmo quando um ou mais monstros lutam entre si e quatro jogadores controlam as suas personagens, no mesmo espaço. A desenvoltura e a fluidez são resultados muito seguros que revelam o desempenho notável da tecnologia MT Framework.

Os visuais são espantosos e o design dos monstros atinge aqui um novo patamar. Os seus movimentos, rugidos e transformações, ao longo do combate, são impressionantes, assim como a dimensão das áreas, muito amplas e asseguradas por várias camadas que permitem sempre diferentes abordagens e muitos encontros inesperados. A banda sonora é igualmente memorável, orquestrada e assente em muitas composições, adaptadas à escala magnânime das batalhas.

O desenvolvimento de MH World partiu de um projecto ambicioso da Capcom, em criar o melhor e mais emocionante jogo da série, capaz ao mesmo tempo de atrair novas audiências e conquistar o público ocidental. A estabilidade no online e a grande comunidade que diariamente se entreajuda na descoberta deste novo mundo e captura dos monstros é reveladora de um projecto que se lançou com bases sólidas e se fez à altura das melhores expectativas. Há uma enorme sensação de satisfação e gratificação sempre que derrubamos mais um monstro, especialmente quando entramos nos combates mais difíceis. A evolução da personagem, a criação de equipamento e ferramentas são processos fundamentais para uma exploração e triunfo neste incrível ecossistema. Podendo parecer intimidatório numa primeira fase, atenta a dimensão dos quadros, menus e regras, o segmento de aprendizagem numa foi tão acessível, mas também é verdade que facilmente nos sentimos um pouco perdidos pela sua magnitude. Mérito da Capcom, ao criar um mundo repleto de vida selvagem, pondo criaturas monstruosas no seu habitat natural e por proporcionar mais desafio e consistência nessa exploração.

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