Onde até a solidão tem um eco reconfortantes`
Ainda assim, nem tudo brilha da mesma forma: a história, desta vez, parece mais desarticulada, menos misteriosa e com um impacto emocional inicial mais contido do que no primeiro jogo. Há menos daquela névoa narrativa que nos fazia teorizar sobre tudo. Mas, com o passar do tempo, a narrativa ganha terreno, lentamente, e acabamos por nos afeiçoar aos temas fortes da amizade, perda e confiança.
A história de Sam é retomada cerca de onze meses após o final do primeiro jogo, agora envolvido numa missão para expandir o universo para além da União das Cidades Americanas. Em vez de reconstruir uma América em ruínas, Death Stranding 2 leva-nos até à Austrália, um território instável e brutal, onde a natureza se impõe de forma quase hostil. Terramotos, tempestades de areia, incêndios florestais e outras ameaças ambientais obrigam a uma adaptação a cada passagem, tornando o terreno mais imprevisível e exigente. A presença dos EPs continua a ser uma ameaça constante, mas agora com novos inimigos.
Jogabilidade: Expansão da acessibilidade
Nota-se uma evolução evidente na jogabilidade. Há mais ferramentas, armas, veículos (muito mais úteis e ágeis), e a introdução de habilidades sob a forma de APAS Enhancements, que dão benefícios tecnológicos capazes de reduzir o esforço das viagens. A chuva já não é apenas um cenário: escorregamos, somos surpreendidos por terramotos que alteram o terreno, avalanches de neve, tempestades de areia... tudo influencia o percurso. Agora até temos uma nave que serve de centro de operações, é uma excelente novidade, traz liberdade, utilidade e está perfeitamente integrada na narrativa. Os quartos também foram melhorados: mais funcionais, mais rápidos de utilizar e até podemos decorá-los com fotografias. Pequenos toques que nos fazem sentir mais em casa naquele mundo inóspito.
Como seria de esperar, foram introduzidas novas mecânicas, seja através de estruturas, armas ou meios de transporte, e melhoradas as já existentes, tudo com o objetivo de aperfeiçoar a forma como nos deslocamos no mundo de Death Stranding 2. Agora, tudo é menos doloroso: a progressão é mais rápida, a deslocação é menos cansativa, o que elimina uma das críticas mais frequentes ao primeiro jogo. Esta lentidão foi agora significativamente atenuada graças a uma reestruturação geral das formas como nos deslocamos.
Embora se mantenha fiel à exploração e à construção de ligações, a jogabilidade sofre alterações inteligentes. Podemos optar por métodos mais diretos, com uma enorme variedade de armas, como lança-granadas, metralhadoras e armas mais refinadas, ou seguir um caminho mais furtivo, usando hologramas e movimentos silenciosos. Estas novas formas de jogar dão mais liberdade ao jogador e rompem com a monotonia que poderia existir no primeiro jogo.
Mundo dinâmico e ligação social
O sistema de ligação social, o SSC, continua muito presente, permitindo colaborações assíncronas, onde as acções de um jogador têm impacto no universo dos outros. O mundo é contínuo e variado, com diferentes ambientes ligados entre si, e o ciclo do dia e da noite, combinado com a “chuva do tempo”, obriga a um permanente planeamento. Aqui, o terreno é quase uma personalidade por si só, moldado por forças naturais que exigem respeito e estratégia.
Ritmo e evolução do combate
Há aqui muita continuidade em relação ao primeiro jogo, o que, sendo uma sequela direta, era mais do que esperado. Por isso, esta semelhança acaba por tornar a parte inicial um pouco aborrecida. Durante as primeiras horas, sente-se que se está a jogar uma versão ligeiramente refinada do original, sem grandes surpresas ou mudanças de fundo. Temos de ser pacientes até que o jogo revele a sua verdadeira evolução. E quando o faz, fica bem claro que Death Stranding 2 não está aqui para revolucionar o mundo anteriormente criado, mas sim para o tornar mais jogável, mais dinâmico e com maior capacidade de resposta.
O foco no combate é agora mais notório, com uma maior variedade de armas, melhorias significativas na movimentação durante os combates e, acima de tudo, a introdução de novos tipos de inimigos, como os soldados mecha, que alteram completamente o ritmo das interações. É aqui que se sente o ponto de viragem: não uma transformação radical, mas um claro amadurecimento de um sistema que sabe agora quando deixar o jogador contemplar e quando o pôr realmente à prova.
Recompensa tardia, introspeção e atmosfera emocional
A base de tudo continua a ser a entrega de mercadorias e, embora se entenda que este é o coração do jogo, há uma certa falta de novidade a surpreender-nos, ao contrário do que aconteceu em 2019. É um jogo que parece pedir tempo, só ao fim de muitas horas é que realmente sentimos aquele “chamamento” para continuar. Aí, sim, começam a aparecer as surpresas, as ferramentas peculiares, as histórias escondidas e a vontade de explorar mais e mais.
A estrutura mantém-se fiel à ideia original, mas nota-se nitidamente um ajuste cuidadoso da fórmula. Continuamos a viver num sistema baseado em entregas, longas travessias e ligações humanas, mas tudo está mais polido, mais fluido e, acima de tudo, mais consciente das críticas ao primeiro jogo. Há um esforço óbvio para minimizar os elementos mais repetitivos e tornar o fluxo do jogo mais agradável, com uma ligeira inclinação para a ação. Mas nunca leva este aspecto mais dinâmico ao extremo; o cariz contemplativo e solitário da série continua bem presente.
A experiência continua a ser, no seu núcleo, uma viagem profundamente introspectiva, onde cada movimento, cada obstáculo e cada personagem contribuem para um sentimento de ligação emocional. Não é um jogo que nos atira constantemente para o conflito, é sobretudo um convite para sentir, refletir e compreender um mundo estranho, mas muito familiar. E é precisamente neste equilíbrio entre a introspeção e o rigor técnico que reside grande parte da força desta sequencia.
Extravagâncias de Kojima
Há um charme inegável que remete para o legado de Metal Gear Solid, Kojima não conseguiu, ou não quis, fugir à sua veia mais autoral. As extravagâncias continuam lá, com elementos que misturam videojogos, cinema e até um certo teatro surrealista japonês. Algumas destas ideias funcionam muito bem, outras nem por isso. Há também um serviço social mais pronunciado, uma ligação mais forte entre os jogadores e as personagens, e o progresso é menos consumidor de tempo, uma vez que se obtêm gadgets mais rapidamente e há incentivos óbvios para melhorar as nossas ferramentas, distribuindo-as pelos locais certos.
Excelência técnica e detalhe visual
Visualmente, Death Stranding 2: On the Beach é um verdadeiro desabrochar gráfico, um dos exemplos mais impressionantes do que a atual geração de consolas é capaz de apresentar. Na PlayStation 5, é sem dúvida o jogo mais impressionante que experimentei até agora. A qualidade visual é tão elevada que, por momentos, somos levados a questionar se o que estamos a ver é realmente gerado por um motor gráfico, pois há cenários em que tudo parece incrivelmente real, desde a textura da roupa molhada à iluminação difusa de uma paisagem varrida pela chuva e pelo vento. É um nível de detalhe espantoso. As personagens estão cheias de vida, os cenários têm uma densidade e complexidade impressionantes, os veículos parecem saídos de um filme de ficção científica de alta produção e até os objectos mais banais têm um nível de cuidado visual que raramente se vê. É aqui que se pode ver claramente o trabalho quase obsessivo da Kojima Productions, que mais uma vez apresentou um espetáculo técnico impecável. Cada fotograma é cuidadosamente composto, e o resultado é um mundo que não só impressiona, como também nos agarra com a sua credibilidade e beleza.
Escolhas técnicas questionáveis
Mas há escolhas técnicas que são difíceis de compreender, especialmente numa produção deste calibre. Death Stranding 2: On the Beach oferece dois modos gráficos principais: um de qualidade visual, que privilegia o detalhe e a resolução mas está fixo nos 30 fps, e outro de desempenho, que permite chegar aos 120 fps, mas com uma pequena perda na nitidez da imagem. O grande ausente aqui é um modo intermédio que ofereça uns estáveis 60 fps com um equilíbrio aceitável entre fluidez e qualidade gráfica, algo que, na atual geração de consolas, já deveria ser o padrão.
Esta ausência é estranha e até um pouco frustrante, especialmente num jogo com um ritmo frequentemente pausado. Kojima e a sua equipa sempre mostraram uma atenção meticulosa aos detalhes técnicos e artísticos, pelo que esta limitação acaba por se destacar de tudo o resto.
Bosses: Oportunidade desperdiçada
Não podia deixar de dedicar dois parágrafos a um dos aspectos que mais me desiludiu em Death Stranding 2: On the Beach: os encontros com bosses. Ao longo de toda a jornada, senti uma visível falta de impacto nestes momentos, que tradicionalmente servem como pontos altos de stress, emoção e espetáculo. Aqui, estas batalhas revelam-se competentes do ponto de vista técnico, mas carecem de grandeza e envolvimento. Mesmo na reta final, onde é de esperar um crescendo emocional e técnico mais intenso, o jogo opta por soluções um pouco sem sabor, por vezes até demasiado limitadas. Não digo que sejam um total fracasso, pois funcionam, cumprem a sua função, mas falta-lhes aquele fator de impacto, aquela sequência que fica na nossa memória.
Durante as 42 horas que me levaram até aos créditos finais, a jogar na dificuldade normal, só morri uma vez. Isto evidencia o baixo nível de desafio, que acredito ser uma decisão consciente de Hideo Kojima em dar prioridade à fluidez narrativa e ao envolvimento emocional em detrimento da criação de obstáculos frustrantes. É uma atitude legítima, que até faz sentido dentro da identidade mais contemplativa da série. Mas, para mim, faltou intensidade, faltou aquela sensação de estar realmente a ser testado.
Conclusão e legado
Death Stranding 2: On the Beach é, acima de tudo, uma reafirmação da visão única de Hideo Kojima. Não é um jogo feito para todos, nem pretende sê-lo. É uma experiência cuidadosamente esculpida, onde a contemplação e a construção de significado têm mais peso do que a recompensa imediata. Nesta sequela, há um nítido amadurecimento da fórmula original, com melhorias importantes na jogabilidade e uma maior preocupação com a relação com o jogador, sem comprometer o carácter introspetivo e misterioso que tornou o original tão polémico quanto impressionante.
Apesar de algumas fragilidades na estrutura narrativa inicial, bosses pouco memoráveis e escolhas técnicas questionáveis, On the Beach é uma evolução coerente, refinada e artisticamente ambiciosa. Não revoluciona o universo que lhe deu origem, mas expande-o com sabedoria e sensibilidade, reforçando o seu lugar como uma das obras mais originais e distintas da indústria. Para quem estiver disposto a reentrar neste mundo estranho, poético e cheio de silêncios pesados, a viagem, tal como no original, vale a pena não pelo destino, mas por tudo o que é sentido pelo caminho.
Fonte: Eurogamer
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